Há uma nova guerra sendo travada no setor de planos de saúde do Brasil. Em apenas seis dias, entre 20 e 26 de abril, a Sul América protocolou um total de dez notícias-crime nas quais acusa o Grupo Huzzo, especializado em serviços de home care, de praticar supostas fraudes cujo valor total chegaria a R$ 44 milhões. A empresa que presta serviço de assistência hospitalar em residências, contudo, contesta essa versão e aponta a seguradora como a culpada pelo imbróglio.
As notícias-crime relatam problemas em Santo André, Ribeirão Pires e Mogi das Cruzes, na região metropolitana, São José dos Campos e Jacareí, no interior, além da capital paulista. Até agora, elas resultaram na instauração de dois inquéritos policiais, um em Santo André e outro em Jacareí. Está em curso uma ação sobre o assunto, que corre em segredo de Justiça.
Os casos reunidos pela Sul América abordam, basicamente, três tipos de problemas. O principal deles, por envolver as maiores somas de dinheiro, está relacionado a pedidos de reembolso pelos serviços de home care. Eles teriam sido encaminhados à seguradora por meio de comprovantes de pagamento supostamente falsos. Segundo as denúncias, os episódios ocorreram entre janeiro de 2022 e fevereiro de 2025 – ao longo de três anos, portanto.
Na denúncia focada em Mogi da Cruzes, por exemplo, a Sul América cita “indícios de que possivelmente foram apresentados documentos falsificados para a obtenção de valores indevidos” em relação a dois beneficiários. Um deles é G.C.A.M (os nomes dos segurados serão preservados nesta reportagem).
“Graves inconsistências”
A seguradora afirma que “identificou graves inconsistências” em dois “comprovantes de pagamento” apresentados, em tese, por esse segurado. No caso, eram duas solicitações de reembolso por serviços de home care. Uma delas de R$ 55,73 mil, de fevereiro de 2023, e outra de R$ 49,87 mil, de janeiro de 2014. Ou seja, elas somavam R$ 105,6 mil. Segundo a notícia-crime, o banco emissor dos comprovantes, o Santander, uma vez consultado, informou que as “transações não foram localizadas”.
Nas denúncias da Sul América, há listas muito maiores de solicitações de reembolsos feitas por um só segurado. Em São José dos Campos, D.L.C.F. fez 17 pedidos entre novembro de 2023 e dezembro de 2024, num total de R$ 909,6 mil. Em São Paulo, V.T.S. apresentou outras 20 notas de despesas que, somadas, alcançam R$ 1,1 milhão. Nos dois casos, os comprovantes eram do Banco Inter. Segundo as notícias-crime das duas cidades, a instituição financeira disse a mesma coisa: os “valores não foram identificados”.
Contestação
Os representantes legais do Grupo Huzzo, no entanto, contestam a versão da Sul América. Em síntese, eles reconhecem que havia problemas nas notas dos pedidos de reembolso encaminhadas à seguradora, mas afirmam que não houve fraude. Dizem que os comprovantes eram, na verdade, “acomodados” para “viabilizar a prestação de serviços”.
De acordo com o advogado Eli Cohen, que defende a empresa de assistência hospitalar residencial, as acusações da Sul América estão centradas em segurados que obtiveram na Justiça o direito de contar com home care. “Mas a seguradora exigiu que eles pagassem pelo serviço e pedissem o reembolso, para reaver o dinheiro depois de 30 dias”, diz. “Ocorre que os pacientes em questão, em sua maioria idosos e acamados, não tinham condições financeiras de antecipar essas quantias. Com isso, a seguradora transformou a prestação do serviço impossível. Foi a mesma coisa que dizer ‘não vou fazer’.”
Questão das fraudes
Ainda segundo Cohen, o Huzzo, diante dessa situação, os comprovantes eram “antecipados” pelo grupo. Essa era a “acomodação dos documentos”. “A Sul América age, até certo ponto, amparada na lei. O contrato exige que o reembolso ocorra após o pagamento”, afirma o advogado. “Mas quando a seguradora sabe que o beneficiário não tem como pagar um boleto de R$ 3 mil, exigir um adiantamento de R$ 60 mil (o valor médio mensal desse tipo de serviço) não é apenas insensível, é desumano.”
Cohen sustenta que, nesses casos, não houve falcatrua. Para ele, os casos estão relacionados a um problema administrativo. “Não houve fraude, porque não existe dano nem dolo”, diz. “Os serviços de fato foram prestados pelo Grupo Huzzo.”
Prestação de serviços
A Sul América, entretanto, também questiona nas notícias-crimes a prestação dos serviços, além do uso de medicamentos e equipamentos cobrados pela empresa de home care nos pedidos de reembolso. Sobre esse assunto, a seguradora afirma que entrou em contato com M.A., a responsável legal e filha da segurada de F.H.S.S..
Consta na denúncia de Mogi das Cruzes: “O relato da beneficiária (no caso, de M.A.) indica que itens como cadeira de rodas, cadeira de banho, cama hospitalar e colchão, embora não tenham sido efetivamente fornecidos pelo grupo, eram cobrados e reembolsados pela Sul América”.
“Nunca vi enfermeira”
Além disso, aponta a seguradora, M.A. mencionou que “eles (os responsáveis pelo Huzzo) colocaram que minha mãe tinha Alzheimer e minha mãe não tinha”, afirma a notícia-crime. Para a seguradora, isso “pode indicar uma possível imputação de informação inverídica para possibilitar êxito em liminares judiciais em desfavor da Sul América”. M.A., por fim, relatou ainda que foi ameaçada por um advogado da clínica e havia uma enfermeira que ganhava “mais de R$ 19 mil reais e eu nunca vi ela aqui”.
O Grupo Huzzo, segundo a mesma denúncia, “mandava menos remédios do que o devido”. “Ou seja, a partir do contato com a representante da beneficiária, colacionam-se sérios indícios de elaboração de documentos falsos, imputações de informações inverídicas e cobranças fraudulentas de itens e equipamentos”, conclui a Sul América.
“Coisas insignificantes”
Para o advogado Eli Cohen, é possível que “um ou outro equipamento”, mas “coisas insignificantes como um nobreak ou uma cadeira de banho”, fossem indevidamente incluídos nos pedidos de reembolso, mas como resultado de uma falha administrativa, não de má-fé.
“Além disso, a seguradora trata o caso como se o Grupo Huzzo tivesse cometido uma fraude total em todos os atendimentos, como se os serviços de home care não tivessem sido prestados, como se os equipamentos e medicamentos não tivessem sido fornecidos, ou mesmo, como se os pacientes nem sequer existissem”, diz o advogado. “Mas não foi isso o que aconteceu e os próprios segurados confirma essa versão (leia depoimentos dos segurados neste link).”
Suposto conluio
A terceira frente de acusações feitas pela Sul América aponta para a existência de um suposto suposto conluio entre a empresa de home care, médicos e advogados. Ele teria como objetivo obter liminares na Justiça em nome de beneficiários e, com isso, custear tratamentos cobrados pelo Grupo Huzzo.
Eli Cohen contesta esse ponto, afirmando que a seguradora “usa esse tipo de acusação para afirmar que é vítima”. “Mas isso também não existiu”, afirma.
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