Mercado vê economia “esfriando”. Juros e cenário externo preocupam

O crescimento de 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no segundo trimestre deste ano, em relação aos três primeiros meses de 2025, até veio um pouco acima das estimativas do mercado financeiro, mas confirmou a desaceleração da atividade econômica do país, em meio a uma política monetária restritiva e a um cenário externo desafiador.

De acordo com os dados divulgados nesta terça-feira (2/9) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o resultado do 2º trimestre veio levemente acima da projeção do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado a “prévia do PIB”. O IBC-Br estimava um crescimento de 0,3% no período.

Entre os principais setores produtivos, serviços (0,6%) e indústria (0,5%) registraram altas na comparação trimestral. A agropecuária (-0,1%), por sua vez, não mostrou variação significativa.

Juros e ambiente externo são entraves

Segundo economistas e analistas do mercado financeiro consultados pela reportagem do Metrópoles logo após a divulgação dos resultados do PIB brasileiro, a desaceleração já era esperada e indica que a economia do país está colocando o pé no freio.

“O PIB brasileiro mostra uma desaceleração no segundo trimestre, após um começo de ano bastante forte. Esse arrefecimento sugere que o Brasil está esfriando”, afirma Pablo Spyer, conselheiro da Ancord. “A economia segue sendo sustentada pelo mercado de trabalho aquecido e pelo setor de serviços, mas a indústria e os investimentos sentiram mais o impacto dos juros altos e do ambiente global desafiador”, explica.

Para Spyer, “o que preocupa é a perspectiva de crescimento mais fraco para a segunda metade de 2025, reforçando a importância de políticas que estimulem produtividade, segurança jurídica e previsibilidade fiscal para sustentar a atividade no médio prazo”.

Felipe Queiroz, economista-chefe da Associação Paulista de Supermercados (Apas), também menciona os juros elevados como um dos principais freios para a economia. Atualmente, a taxa Selic, definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), está em 15% ao ano.

“Quando olhamos a demanda agregada e temos uma taxa de juros nesse patamar, consequentemente é um freio de mão da economia. Nós tínhamos potencial para estar com uma taxa de crescimento acima de 2,2% no anualizado, mas, com juros a 15% ao ano, fica inviável manter um crescimento robusto do PIB”, analisa.

O cenário externo, considerado delicado em meio ao tarifaço comercial imposto pelo governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a diversos países – entre os quais o Brasil –, é outro fator que prejudica o desempenho da economia, observa Queiroz.

“Estamos passando por um período de recrudescimento na conjuntura internacional, marcado pela ascensão do neoprotecionismo e pelo tarifaço do governo norte-americano. Isso, por um lado, mexe com as placas tectônicas da geopolítica internacional, dos acordos internacionais e, por outro lado, coloca o país em uma posição de buscar novos mercados, novos parceiros comerciais para estimular a produção interna, para estimular o comércio internacional, para fomentar o nível de atividade da economia”, afirma.

Queiroz destaca ainda que “o que tem sustentado o crescimento da economia brasileira, não apenas no período pós-pandemia, mas ao longo das últimas décadas, é o consumo das famílias”. “E os dados do PIB que acabaram de ser divulgados também ratificam isso. O consumo das famílias continua sendo um importante vetor de crescimento”, diz.

“Nós temos um mercado de trabalho que atualmente está bastante aquecido, com a menor taxa de desemprego da série histórica. Estamos observando um processo de aumento da renda real, mas esse processo não é movido pela inércia”, prossegue o economista.

Segundo Queiroz, “é fundamental que o conjunto da política macroeconômica esteja alinhado no sentido de promoção do crescimento, redução da taxa de desemprego e controle inflacionário”.

“O controle inflacionário é uma das variáveis fundamentais, mas nós estamos em um ciclo de queda da inflação e acreditamos que, se tivéssemos uma taxa Selic em um patamar mais civilizado, inegavelmente teríamos também um incentivo maior à produção, um incentivo maior ao investimento e, consequentemente, também ao consumo. Logo, nós poderíamos ter tido um resultado mais positivo do PIB neste último trimestre.”

Desaceleração “moderada” até o fim do ano

Igor Cadilhac, economista do PicPay, tem uma visão um pouco mais otimista. Segundo ele, para o próximo trimestre, o “cenário-base segue apontando para um bom momento da atividade econômica brasileira, sustentado por um mercado de trabalho em pleno emprego e por uma massa salarial robusta”.

“Além disso, o pagamento dos precatórios deve fornecer um impulso adicional à economia. No entanto, alguns dados de alta frequência têm sinalizado que os juros elevados vêm restringindo de forma mais acentuada as condições financeiras”, observa.

“Seguimos projetando uma desaceleração moderada ao longo do ano, com crescimento do PIB estimado em 2,2% em 2025 – sustentado, em grande medida, pelo elevado carrego estatístico e pelo bom desempenho de setores exógenos, como o agronegócio e a indústria extrativa”, completa.

O economista Maykon Douglas, por sua vez, classifica o resultado do PIB no segundo trimestre como “um pouco melhor do que o esperado, dado que o agro se manteve estável após o ótimo resultado no início do ano, enquanto a indústria e os serviços vieram melhor na margem”.

“A parte mais cíclica do PIB desacelerou de 0,14% para 0,07% em base trimestral. Esse é um comportamento natural, tendo em vista o aperto monetário em curso, que provoca baixa performance em segmentos mais sensíveis às condições financeiras, como a construção, a indústria de transformação e parte do comércio”, aponta.

“No entanto, chama atenção o fato de que essa alta no PIB se deu apesar da queda nos gastos do governo, que têm impulsionado a economia nos anos recentes. Há o impacto da retração de quase 3% nas importações, mas o consumo das famílias explica a maior parte desse movimento. O consumo tem mostrado resiliência em razão da forte massa salarial”, explica o economista.

Para Maykon Douglas, o PIB “reforça o impacto dos juros mais altos sobre a atividade, como antecipado pelas sondagens mensais nos últimos meses”. “Porém, o mercado de trabalho aquecido tem sido o grande suporte do PIB, que segue surpreendendo. A liberação dos precatórios e o efeito do novo consignado privado podem ser um suporte adicional nos próximos meses. Mantenho minha projeção de alta de 2,2% para este ano.”

André Valério, economista sênior do Banco Inter, diz esperar a “continuidade da desaceleração da demanda interna, tanto pelo lado do consumo quanto do investimento, em meio ao aperto monetário”. “O esfriamento da economia é importante para o processo de queda da inflação, refletindo a atual restrição da política monetária. Potenciais novos impulsos fiscais podem manter o PIB mais elevado, mas também colocam em risco nova aceleração da inflação”, afirma.

Segundo Valério, “o resultado, apesar da desaceleração, é robusto, indicando uma demanda interna ainda resiliente”. “Esperamos que a política monetária mantenha o grau de aperto até se observar sinais mais claros de desaceleração. Mantemos a expectativa de corte na Selic em dezembro”, conclui.

Claudia Moreno, economista do C6 Bank, aponta que “os juros altos têm surtido algum efeito para esfriar a economia” e, no entanto, “alguns segmentos, como os serviços e o consumo das famílias, permanecem resilientes e têm contribuído para que o PIB mantenha algum fôlego de crescimento”. “Acreditamos que os estímulos do governo, como o aumento de gastos, a liberação de recursos do FGTS para os trabalhadores e o incentivo à concessão de crédito, devem manter a atividade econômica em expansão”, afirma.

“O resultado do PIB do segundo trimestre reforça nossa visão de que a economia brasileira está em desaceleração gradual e deve crescer menos do que em 2024. Nossa projeção é de que o PIB termine o ano com crescimento de 2%. Para 2026, esperamos uma expansão de 1,5%”, completa Moreno.

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