O resultado do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país e foi divulgado nesta quarta-feira (10/9), mostra um processo “consistente” de desaceleração, o que abre espaço para o Banco Central (BC) iniciar o ciclo de corte de juros até o fim do ano ou, em um cenário mais conservador, no início de 2026.
A avaliação é de economistas e analistas do mercado financeiro consultados pela reportagem do Metrópóles pouco depois do anúncio do resultado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em agosto, os preços de bens e serviços do país caíram 0,11% – foi a primeira deflação registrada neste ano, após sete meses seguidos de aumento dos preços. O número ficou 0,37 ponto percentual abaixo da taxa registrada em julho, que foi de 0,26%.
O resultado do mês passado ficou abaixo do esperado por analistas do mercado. A mediana das previsões do relatório Focus, do BC, indicava uma queda de 0,15%. No ano, o IPCA acumula alta de 3,15% e, no acumulado de 12 meses, o índice ficou em 5,13%.
Atualmente, a taxa básica de juros (Selic) da economia brasileira está em 15% ao ano – em sua última reunião, no fim de julho, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC interrompeu a série de altas e não mexeu nos juros. O Copom volta a se reunir na semana que vem, dias 16 e 17, para definir a Selic.
A elevação da taxa de juros é o principal instrumento dos bancos centrais para controlar a inflação.
O que diz o mercado
Segundo André Valério, economista sênior do Banco Inter, “apesar da deflação menor que o esperado, o resultado de hoje apresentou um qualitativo melhor que o indicado pelo IPCA-15 [considerado a “prévia da inflação”], especialmente no comportamento da inflação de serviços”.
“Entretanto, a estabilidade do núcleo da inflação em 0,3% demanda cautela, indicando que o processo de desinflação esteja perdendo força na margem. Com isso, ainda devemos observar um Copom cauteloso na reunião da próxima semana, recebendo como boas notícias os dados recentes da economia brasileira, mas ainda julgando insuficiente para iniciar a discussão de flexibilização da política monetária”, avalia.
Para Valério, “a persistência da inflação de núcleo e da inflação de serviços, que acumula alta de 6,14% nos últimos 12 meses, demanda uma política monetária restritiva por um período mais longo”. “Por outro lado, ainda há muito do atual aperto monetário a ser transmitido para a economia real e para a inflação, e esperamos que tais efeitos sejam sentidos de maneira mais intensa a partir da virada do 3º trimestre para o 4º trimestre”, afirma o economista.
“Confirmando essa expectativa, juntamente com o início da flexibilização da política monetária americana, esperamos que o Copom dê início ao ciclo de queda na reunião de dezembro, com um corte inicial de 50 pontos-base [0,5 ponto percentual]”, projeta Valério.
Claudia Moreno, economista do C6 Bank, afirma que “os dados do IPCA nos últimos três meses mostram algum arrefecimento da inflação, mas esse movimento deve ser temporário”. “Ainda que a queda nos preços das commodities e o enfraquecimento do dólar possam estar aliviando a pressão sobre os alimentos e os bens industriais, fatores domésticos, como o mercado de trabalho bastante aquecido e a nossa projeção de um câmbio mais depreciado, devem continuar pesando sobre a inflação”, afirma. “Nossa expectativa é de que o IPCA termine 2025 em 5% e chegue a 5,2% ao fim de 2026”, prossegue Moreno.
“Os números do IPCA não alteram nossa projeção de que o Copom deve manter os juros estáveis em 15% até o fim de 2025. No entanto, considerando o recente alívio na inflação e a possibilidade de cortes de juros no exterior, acreditamos que pode haver espaço para flexibilização no primeiro trimestre do ano que vem. Nossa expectativa é de que o ciclo de cortes da Selic comece em março, com a taxa de juros terminando 2026 em 13%”, projeta a economista.
De acordo com Pablo Spyer, conselheiro da Ancord, os dados do IPCA referentes ao mês de agosto mostram “que a inflação segue em processo de acomodação, ainda que com pressões pontuais em alguns setores”.
“Apesar da deflação, o resultado veio um pouco pior do que o esperado e é importante destacar que a inflação subjacente ainda se mantém elevada – um sinal de que a desinflação ainda não se consolidou plenamente e requer cautela”, avalia.
Segundo Spyer, “o indicador reforça a percepção de que o BC tem espaço para continuar calibrando a política monetária, de forma gradual e responsável, sem perder de vista os desafios fiscais que podem afetar as expectativas”.
“Para os investidores, esse dado é importante porque sinaliza um ambiente mais previsível para os próximos meses, o que ajuda na formação de preços dos ativos e na retomada da confiança”, completa.
Felipe Queiroz, economista-chefe da Associação Paulista de Supermercados (Apas), também aponta “uma desaceleração consistente e importante do indicador, de modo tal que o índice está convergindo e indo sentido à meta de inflação, pelo menos na banda superior da meta”.
“Vemos uma queda consistente que abre espaço para um afrouxamento da política monetária, mas o nível que nós temos hoje da taxa Selic é excessivamente alto, tendo em vista a conjuntura que estamos enfrentando”, pondera Queiroz.
O economista observa que “estamos em uma conjuntura altamente desafiadora, com um cenário externo complexo”. “O mundo inteiro tem adotado uma política monetária muito mais comedida. Em contrapartida, nós estamos excessivamente radicais com a nossa política monetária. Isso está produzindo um efeito sobre o nível de atividade, sobre o PIB.”
Também ouvido pelo Metrópoles, Igor Cadilhac, economista do PicPay, mantém sua projeção de inflação para 2025 em 4,9%. “Por ora, avaliamos que o balanço de riscos segue equilibrado, mas mais incerto, com efeitos líquidos desinflacionários vindos da guerra tarifária”, afirma.
“O câmbio permanece relativamente estável, e as expectativas de inflação vêm apresentando melhora consistente, inclusive no longo prazo. Apesar disso, o quadro ainda é significativamente pressionado. Seguimos atentos às pressões altistas associadas à eventual desancoragem das expectativas, à manutenção de um hiato do produto positivo e ao risco de depreciação do real em um cenário de maior percepção de risco fiscal ou geopolítico”, explica.
O economista Maykon Douglas, por sua vez, destaca que “a desinflação tem sido lenta, com uma composição ainda ruim”.
“Mesmo com a baixa dos preços de cinema em razão da Semana do Cinema, os preços de serviços subjacentes aceleraram de 6,15% para 6,25% na média anualizada e dessazonalizada dos últimos três meses. Na mesma métrica, os serviços intensivos em trabalho voltaram a acelerar após seis leituras consecutivas mais fracas”, aponta.
“O aperto no mercado de trabalho parece ser o grande fator que impede uma desaceleração mais forte dos preços subjacentes”, conclui o economista.
Rodrigo Ashikawa, economista da Principal, avalia que “o dado qualitativo foi relativamente neutro”. “Por um lado, o preço dos bens industriais ficou um pouco mais pressionado e acima das nossas projeções, mas grande parte dessa surpresa veio de itens de maior volatilidade, como os preços de higiene pessoal e também um desconto de IPI em automóveis que acabou ficando um pouco aquém das nossas expectativas”, afirma.
“Por outro lado, serviços, serviços subjacentes e serviços, como um todo, vieram em linha com as nossas projeções. Houve um fator específico com os descontos da Semana do Cinema ajudando nessa leitura do curto prazo, mas foi um número que não fugiu muito das nossas expectativas e ainda continua em patamares elevados quando a gente olha para o acumulado em 12 meses”, explica.
“Nas nossas projeções para 2025, seguimos com um IPCA ao redor de 5%, mas com viés para baixo, dado esse balanço de risco positivos que temos visto para a inflação corrente no curto prazo”, conclui.
O que é o IPCA
O IPCA é calculado desde 1979 pelo IBGE. O índice é considerado o termômetro oficial da inflação e é usado pelo BC para ajustar a taxa básica de juros, a Selic, que hoje está em 15% ao ano.
Ele mede a variação mensal dos preços na cesta de vários produtos e serviços, comparando-os com o mês anterior. A diferença entre os dois itens da equação representa a inflação do mês observado.
O IPCA mensura dados nas cidades, de forma a englobar 90% das pessoas que vivem em áreas urbanas no país.
O índice pesquisa preços de categorias como transporte, alimentação e bebidas, habitação, saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais, educação, comunicação, vestuário, artigos de residência, entre outros.
O IPCA referente a setembro será divulgado em 9 de outubro.
Leave a Reply