“É difícil morar em um lugar desse”, desabafou Joana Santana, de 75 anos, moradora há quase três décadas do entorno do aterro Ouro Verde, em Padre Bernardo (GO). Após o deslizamento da estrutura em 18 de junho e a liberação de lixo sobre o Córrego Santa Bárbara, a comunidade vive um cenário caótico, marcado por mau cheiro, infestação de moscas e pelo medo. A tragédia provocou impacto ambiental severo, além de afetar plantações e pisciculturas, interrompeu o abastecimento de água para centenas de famílias ribeirinhas.
Joana perdeu o sossego de morar em chácara e teme pela segurança da casa. “A gente só continua aqui porque tem medo de sair e, quando voltar, não ter mais nada. O prefeito veio aqui, ofereceram cesta básica, deram água e até remédio. Mas se isso não acabar, o certo seria a empresa indenizar e deixar a gente sair daqui. O que a gente passou não foi pouca coisa. Foi um pesadelo”, declarou.
Na manhã de ontem, a secretária do Meio Ambiente do estado de Goiás (Semad), Andréa Vulcanis, esteve no local para acompanhar os trabalhos emergenciais. A visita foi marcada por críticas à empresa responsável pelo aterro. “A nossa avaliação, até o momento, é a de que a empresa está muito omissa, basicamente não fez nada ainda. Eles contrataram uma consultoria técnica, mas não pôs a mão na massa”, afirmou ao Correio.
A gestora destacou que enquanto a empresa permanece inerte, o poder público está atuando. “Estamos levando água para as comunidades, fornecendo assistência em saúde, enfrentando a infestação de moscas e iniciando a transposição da água e desobstrução do rio. Estimamos que será preciso 4 mil caminhões para fazer o transporte do lixo acumulado. É um volume enorme de movimentação de obra e maquinário”, explicou.
Uma das medidas mais recentes foi o lançamento de um drone pulverizador com capacidade para 30 litros, que despeja inseticida sobre o aterro em apenas 10 minutos. “Toda a área vai ser desinsetizada. É uma operação continuada e, com isso, a gente espera reduzir os transtornos nas casas das famílias vizinhas”, explicou Vulcanis. A medida visa conter a invasão de moscas, que transformou a vida dos moradores para pior. “A dignidade, a saúde e a qualidade de vida das pessoas precisam ser preservadas”, completou.
Transposição
O major Sayro Reis, gerente de Emergências Ambientais da Semad, detalhou ações em andamento. “Estamos bombeando água limpa para desviar o curso do córrego e reduzir o risco de que o chorume chegue ao rio. As barreiras físicas foram construídas e, agora, acessos estão sendo abertos em duas frentes para retirada do lixo. Estimamos cerca de 40 mil toneladas de resíduos.”
A estrutura utilizada para transposição da água inclui bombas de 40 cm de diâmetro e com vazão de 200 mil litros por hora. O objetivo é conter o avanço da poluição, evitar novos deslizamentos e concluir a retirada antes do período chuvoso. “A área ainda é insegura, mas esperamos terminar os acessos em até três dias e iniciar a remoção completa em seguida”, afirmou Sayro.
O prefeito do município, Joseleide Lázaro, também se pronunciou. “Desde o primeiro dia estamos oferecendo água potável, cestas básicas, assistência médica e apoio ao produtor rural. Colocamos caminhões, tratores e escavadeiras à disposição para as obras emergenciais”, disse.
Judiciário
Após o deslizamento, o juiz federal Társis Augusto de Santana Lima, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), determinou o fechamento imediato do lixão e o bloqueio de R$ 12 milhões da empresa responsável.
A decisão integra uma ação civil pública movida em 2021 pelo Ministério Público de Goiás (MPGO) e pelo Ministério Público Federal (MPF), que questiona a validade da licença ambiental do aterro. O documento, de acordo com a ação, foi concedido irregularmente pelo município de Padre Bernardo (GO). Por estar em uma unidade de conservação federal, a autorização deveria ter partido do Estado, com aprovação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Em maio de 2023, o mesmo juiz já havia suspendido as atividades do aterro, mas a empresa recorreu e, em setembro, o TRF1 autorizou a retomada das operações. Os argumentos usados pelo tribunal se basearam na função social do aterro, alegando que seu fechamento abrupto poderia causar impactos ambientais e sociais ainda maiores, como a falta de destinação adequada para os resíduos de Padre Bernardo e a interrupção da renda de catadores que atuariam no local.
A última decisão de interdição considera o deslizamento como um novo fato que contribui para a suspensão das atividades. “Na visão do MP, ele é praticamente um lixão a céu aberto, instalado em área de preservação onde a presença de aterros é expressamente proibida por lei”, destacou a promotora de Justiça Flavian Cristiane Viga da Silveira Brissant. Entre outras irregularidades, ela cita a ausência de sistemas de drenagem pluvial, controle de gases e de chorume, o que agrava os riscos de contaminação.
Outro lado
Em resposta à nova decisão de interdição, o Grupo Ouro Verde anunciou o encerramento das atividades do aterro e informou que não irá recorrer ao parecer.
A empresa afirmou que levou em conta as dificuldades operacionais e regulatórias enfrentadas, além do respeito ao impacto causado pelo deslizamento.
O grupo também rebateu as críticas da secretária de Meio Ambiente.”É importante reafirmar, com total responsabilidade, que a empresa não está sendo omissa. Desde o primeiro momento do incidente, temos atuado com seriedade, critérios técnicos rigorosos e compromisso com a recuperação ambiental da área. A retirada do material exige planejamento criterioso, pois ações precipitadas podem agravar os danos e colocar vidas em risco”, disse, em nota ao Correio. “A Ouro Verde reafirma que assume integralmente suas responsabilidades, inclusive os custos das ações emergenciais, e tem colaborado tecnicamente com os órgãos públicos. No entanto, é injusto e incorreto afirmar que todas as ações estão sendo tomadas apenas pelo poder público. A atuação deve ser conjunta, responsável e tecnicamente orientada — e é exatamente isso que a empresa tem feito desde o início.”
A empresa afirma que contratou uma equipe multidisciplinar especializada em deslizamentos de taludes e que os técnicos estão em campo diariamente, inclusive com operação 24h de bombeamento da água represada, “medida realizada exclusivamente pela empresa”.
Diz, ainda, que atuou no controle de vetores, adquirindo inseticidas e apoiando ações conjuntas com o uso de drone.
“Os políticos e autoridades que hoje se referem ao nosso empreendimento como ‘lixão’ são os mesmos que o licenciaram como aterro sanitário. As licenças ambientais foram concedidas pela prefeitura de Padre Bernardo e pela Semad, incluindo documento assinado pela própria Secretária de Meio Ambiente, Sra. Andréa Vulcanis, que agora critica a existência do projeto que ajudou a autorizar”, acrescenta.
Sobre os impactos ambientais, a empresa afirma que não houve destruição de plantações; que não ocorreu infiltração de metais pesados porque o terreno atingido possui formação geológica de leito de pedra; e que “não há, até o momento, qualquer evidência técnica de contaminação do Rio Maranhão, e possivelmente nem do Rio do Sal”.
Por fim, a Ouro Verde informou que os resultados de sua primeira análise da água serão concluídos e compartilhados na próxima terça-feira.
Por Por Brasília
Fonte Correio Braziliense
Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
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