A eclosão de uma nova guerra no Oriente Médio, com a escalada do conflito entre Israel e Irã desde a última quinta-feira (12/6), acendeu um sinal de alerta global e vem espalhando uma onda de preocupação em todo o planeta, deixando os mercados atônitos e temerosos em relação aos efeitos do confronto militar sobre a economia.
Horas depois de as forças israelenses terem desferido os primeiros ataques contra instalações nucleares do regime iriano, os preços internacionais do petróleo e do gás foram afetados, renovando as máximas dos últimos meses, indicando o que pode se consolidar como tendência nos próximos dias.
Na sexta-feira (13/6), dia seguinte ao início do novo conflito, o preço do petróleo chegou a disparar 13%, a maior alta para uma única sessão em 3 anos, desde 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia e deu início a uma guerra travada até hoje.
No fim do dia, o barril de petróleo do tipo Brent (referência para o mercado internacional) disparou mais de 7%, negociado a US$ 74,23. O barril do tipo WTI (referência para o mercado dos Estados Unidos) avançou 7,26%, batendo US$ 72,98. No acumulado da semana passada, a alta da commodity superou os 12%.
Alvo dos ataques de Israel, o Irã é um dos principais produtores de petróleo do mundo, com uma geração diária de 3,3 milhões de barris – o país responde por quase 5% da produção mundial.
Além do petróleo, o preço do gás também disparou no mercado internacional após a deflagração do conflito entre israelenses e iranianos. Na mesma sexta-feira, a cotação bateu 38 euros (cerca de R$ 244) por megawatt-hora, de acordo com o índice TTF, o principal do mercado europeu – a alta diária foi de 4,75%. Nos EUA, os contratos futuros do gás com vencimento em julho deste ano fecharam em alta de 3,3%.
“O principal impacto desse conflito entre Israel e Irã é o aumento da aversão ao risco global, pois o conflito agrava a instabilidade no Oriente Médio, uma região estratégica para a produção e o transporte global de petróleo e gás”, explica Jeff Patzlaff, planejador financeiro e especialista em investimentos.
Segundo estimativas de analistas do J.P. Morgan, um dos maiores bancos norte-americanos, o preço do petróleo pode avançar para algo entre US$ 120 e US$ 130 por barril no pior cenário envolvendo a guerra entre Israel e Irã, com um possível fechamento total do Estreito de Ormuz – um ponto estratégico no Golfo Pérsico, controlado pelo Irã e fundamental para o comércio da região. Passa por ali cerca de 21% de todo o petróleo do planeta.
“Isso leva a uma elevação na percepção de risco sistêmico, causando fuga de capitais de mercados emergentes, como o Brasil, e valorização de ativos considerados ‘portos seguros’, como dólar, ouro e títulos do Tesouro americano. As bolsas caem, enquanto o petróleo sobe. Em adição, o estreitamento do Estreito de Ormuz pode gerar fortes altas nos preços do barril”, afirma Patzlaff.
O fator Ormuz
Passadas as primeiras 100 horas desde que as forças militares de Israel bombardearam Teerã, ainda não há evidências de que teriam sido atingidas instalações de petróleo e gás iranianas. Mas nenhum especialista é capaz de cravar que essa possibilidade esteja totalmente descartada, dado o rápido recrudescimento do conflito.
Caso algo do tipo aconteça, o regime iraniano, eventualmente, poderia se ver encurralado a tomar medidas drásticas, como o bloqueio completo da navegação pelo Estreito de Ormuz, o que causaria enorme impacto ao comércio global. Nos últimos anos, países como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos aumentaram o transporte por meio de oleodutos. Mesmo assim, desvios pontuais do fluxo convencional do petróleo não seriam suficientes para evitar uma grave desorganização da cadeia.
Segundo um relatório da seguradora holandesa ING, uma interrupção significativa nesses fluxos “seria suficiente para elevar os preços para US$ 120 o barril”. “Se isso persistir até o fim do ano, poderemos ver o [petróleo do tipo] brent atingir novas máximas, acima do recorde de quase US$ 150 em 2018”, diz o documento.
Desde meados da semana passada, antes mesmo dos ataques israelenses a Teerã, um número cada vez maior de embarcações tem evitado o Mar Vermelho e o Golfo Pérsico. A autoridade marítima do Reino Unido (UKMTO) emitiu uma série de alertas a respeito do “aumento das tensões na região, o que pode levar a uma escalada da atividade militar, com impacto direto sobre os marinheiros”. Segundo o órgão, “os navios são aconselhados a cruzar o Golfo Pérsico, o Golfo de Omã e o Estreito de Ormuz com cautela”.
Impacto no Brasil
Se aumenta a cotação internacional do petróleo, é razoável supor que a guerra entre Israel e Irã também tem potencial de afetar os preços da gasolina no Brasil. Segundo Jeff Patzlaff, caso os preços globais da commodity permaneçam elevados no médio prazo, os consumidores brasileiros podem sofrer no bolso.
“Isso encarece combustíveis e gera pressão inflacionária adicional, afetando margens de empresas dependentes de combustíveis ou commodities importadas, além de gerar pressão sobre inflação e juros. E, com a inflação já alta no país e a Selic [taxa básica de juros] elevada, o choque inflacionário externo dificulta qualquer alívio monetário no curto prazo, o que prejudica setores sensíveis ao crédito e à demanda doméstica”, avalia.
Em maio, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país, ficou em 0,26%, desacelerando em relação a abril (0,43%). No período de 12 meses até maio, o indicador ficou em 5,32%, acima do teto da meta (4,5%).
No início de junho, a Petrobras anunciou uma redução de 5,6% no preço da gasolina vendida às distribuidoras. Assim, desde o último dia 3, o valor de venda do combustível da Petrobras para as distribuidoras passou a ser, em média, de R$ 2,85 por litro, uma redução de R$ 0,17 por litro.
Considerando a mistura obrigatória de 27% de etanol anidro e 73% de gasolina A para composição da gasolina C vendida nos postos, a parcela da Petrobras no preço ao consumidor passou a ser de R$ 2,08/litro, uma redução de R$ 0,12 a cada litro de gasolina C. O valor vendido para as distribuidoras é um dos itens que integram o preço final dos combustíveis que os consumidores compram nos postos.
Compõem o preço dos combustíveis no Brasil o imposto federal, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de caráter estadual, as margens de lucro da Petrobras e os custos de distribuição e revenda.
No governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a Petrobras fazia reajustes no preço dos combustíveis vendidos às refinarias periodicamente, seguindo a variação do dólar e dos preços no mercado internacional. Bolsonaro manteve a política vinculada ao Preço de Paridade de Importação (PPI), que estava em vigor desde 2016, no governo do então presidente Michel Temer (MDB).
No início do seu terceiro mandato, em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acabou com o sistema do PPI. Os reajustes passaram a ser feitos sem periodicidade definida, de forma a evitar o repasse para os preços internos da volatilidade conjuntural das cotações internacionais e da taxa de câmbio.
No entanto, a cotação internacional do petróleo continua a ser um dos componentes que pesam sobre os preços no Brasil, embora não seja mais o fator determinante. De modo que, caso o petróleo ultrapasse US$ 120, US$ 130 ou US$ 150 por barril no mercado internacional, é provável que, em alguma medida, os preços também subam no país.
Petrobras se valoriza, mas outros setores sofrem
“Algumas empresas listadas no Ibovespa podem se beneficiar de forma indireta devido à alta de preços de commodities, sobretudo empresas do setor de petróleo e alimentos, além da valorização do dólar, como a Petrobras”, projeta Jeff Patzlaff, citando o que ocorreu com a estatal brasileira no fim da semana passada.
No pregão de sexta-feira, os papéis da companhia fecharam em alta de 2,46%, cotados a R$ 32,53. O desempenho das ações da empresa serviram para amenizar a queda do Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores do Brasil (B3), que encerrou o dia em baixa de 0,43%, aos 137,2 mil pontos. As perdas da Bolsa brasileira teriam sido maiores se não fosse pela Petrobras.
“Com o barril de petróleo em alta, a Petrobras tende a aumentar suas receitas de exportação. A empresa é uma das maiores exportadoras brasileiras e se beneficia diretamente do preço internacional”, explica Patzlaff.
“A Vale também pode se beneficiar. Apesar de não atuar com petróleo, a Vale tende a se beneficiar da valorização do dólar frente ao real, que amplia suas receitas de exportação de minério de ferro, e pode ser vista como porto seguro em momentos de incerteza”, afirma.
Segundo o especialista em finanças e investimentos, outros setores da economia nacional “sofrem impactos negativos diretos ou indiretos com o conflito, principalmente devido à pressão sobre combustíveis, inflação e juros altos”.
“O setor de varejo e consumo deve sofrer, pois são empresas dependentes do consumo interno e tendem a ser prejudicadas por uma combinação de inflação alta, juros elevados e queda de confiança do consumidor”, conclui.
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