Bracell é acusada de descumprir lei que limita terras de estrangeiros

A Bracell, uma das líderes da produção de celulose solúvel no mundo, está sob ataque de advogados e entidades que representam produtores rurais na Bahia e em São Paulo. Esses grupos entraram com ações no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) contra a companhia, com base na mesma queixa: acusam a empresa de descumprir a lei que limita a posse de terras rurais para estrangeiros no Brasil.

O Grupo Bracell é dono de cerca de 235 mil hectares no Brasil, segundo informações divulgadas pela empresa. Trata-se de um espaço equivalente a uma vez e meia o tamanho da cidade de São Paulo. No caso baiano, diz a notícia de fato enviada ao Incra, a companhia detém 175 mil hectares em áreas rurais, usadas para o plantio do eucalipto, a fonte para a extração da celulose.

A denúncia indica que as terras da companhia se espalham por 35 municípios baianos, em terrenos que alcançam a região metropolitana de Salvador, passam pelo centro-norte e avançam até o extremo oeste do estado. O número é baseado em levantamento feito em cartórios do interior do estado, pelo advogado Vicente Carvalho, autor de um dos documentos.

“Só a Bracell Bahia Florestal (um dos braços do grupo) é detentora de quase 165 mil hectares, registrados em mais de 443 matrículas (em cartórios)”, afirma a acusação enviada ao Incra.

O documento cita supostas irregularidade em diversas regiões da Bahia. Numa delas, em Itanagra, no nordeste do estado, a 130 quilômetros de Salvador, as terras da empresa representariam 13,3% da área total do município. “A legislação fixa, no entanto, que o limite para a posse de estrangeiros não pode exceder 10% do território da cidade”, diz o advogado.

Ele aponta indícios de problemas similares em mais quatro áreas nas comarcas de Entre Rios, Alagoinhas, Inhambupe e em Irará. O advogado afirma que o levantamento inclui apenas áreas adquiridas pelo Grupo Bracell, formado por empresas brasileiras e estrangeiras que constituem um dos braços do Royal Golden Eagle (RGE), conglomerado com sede em Singapura, que administra negócios ligados à exploração de recursos naturais.

Arrendamentos

“Mas a lei também inclui nesse limite as terras arrendadas”, afirma o advogado. “E as informações sobre esse tipo de negócio (o arrendamento) não estão disponíveis ao público. Assim, as áreas que pertencem à Bracell podem ser maiores do que as mencionadas na notícia de fato enviada ao Incra.”  No arrendamento, o proprietário de um imóvel rural cede o direito de uso e de exploração da terra a outra pessoa ou empresa – no caso, o arrendatário.

Além disso, Carvalho acrescenta que, segundo a lei, tanto a aquisição como o arrendamento das terras por estrangeiros têm de ser previamente autorizados pelo Incra. Para isso, as empresas devem apresentar ao órgão um projeto de exploração do terreno, que cumpra requisitos como cronograma de investimentos, demonstrações de eventual uso de crédito oficial e uma comprovação da viabilidade logística da proposta. “Na nossa notícia de fato, pedimos que o Incra também confira se isso foi feito”, diz o advogado.

Disputa em São Paulo

No estado de São Paulo, a investida contra a Bracell é mais antiga, embora seu teor seja idêntico. Ela remonta a setembro de 2022, quando a Associação dos Plantadores de Cana do Médio Tietê (Ascana) ajuizou uma ação civil pública contra o grupo empresarial.

De acordo com um levantamento da Ascana, o Grupo Bracell detém quase 80 mil hectares de terras em São Paulo. Essas propriedades, diz a notícia de fato, teriam sido adquiridas sem a autorização do Incra. Além disso, excedem o limite de 10% da área total dos municípios de Oriente, Álvaro de Carvalho, Presidente Alves, Vera Cruz e Fernão.

Discussão no STF

Na disputa judicial, a Ascana obteve uma liminar da Justiça, na comarca de Marília (SP), para que fosse feito um levantamento sobre as propriedades rurais da Bracell em todos os cartórios das comarcas, Em setembro de 2024, porém, começou uma discussão sobre qual esfera da Justiça deveria analisar a ação civil pública. Hoje, o caso tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). A expectativa é de que a questão seja resolvida nos próximos meses e o processo passe em definitivo para Justiça Federal e não siga mais pela estadual, como ocorria antes disso.

De acordo com o advogado Felipe Ronco, que representa a Ascana, as duas notícias de fato pedem que o Incra oficie a Bracell para que ela forneça informações sobre todas as propriedades e arrendamentos do grupo. Isso além da divulgação de dados sobre parcerias agrícolas ou outros arranjos contratuais que envolvam terras no Brasil.

Bracell contesta versão

Em nota enviada ao Metrópoles, a Bracell contestou as informações presentes nas notícias de fato. A empresa informou que “atua em conformidade com todas as normas legais vigentes e respeita rigorosamente a legislação brasileira”.

Disse ainda que a “carta-denúncia (enviada ao Incra) distorce a realidade sobre a propriedade de terras da companhia na Bahia. A empresa esclarece, ainda, que as duas companhias mencionadas no documento – a Turvinho e a Estrela – são controladas pelo Sr. Alexandre Grendene, sendo a Bracell apenas acionista minoritária em ambas.”

Também em nota enviada ao Metrópoles, a Turvinho informou que é uma “empresa nacional com 51% do controle de capital por brasileiros e que é uma subsidiária integral da holding Estrela, também controlada por acionistas brasileiros”. Disse, ainda, que as operações da companhia são “absolutamente aderentes às restrições legais, inclusive do parecer da Advocacia Geral da União (AGU) de 2010 que limitou a aquisição de terras por estrangeiros”.

“Não há qualquer impedimento de que uma empresa com controle de brasileiros atue na compra e arrendamento de terras rurais. O foco da atividade da Turvinho Participações é disponibilização de áreas – por meio de compra e arrendamento – para reflorestamento e fornecimento de madeira para a indústria de papel e celulose”, conclui.

O que diz o Incra

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) informou que, sobre a denúncia de São Paulo, de acordo com a Superintendência Regional do órgão, “foi aberto um procedimento de fiscalização cadastral para verificar se a empresa é considerada estrangeira ou não”. “O processo está na fase de instrução”, diz o Incra, em nota, e acrescenta: “As empresas serão notificadas a entregar diversos documentos. Após análise da documentação apresentada, o processo será encaminhado à Procuradoria Federal Especializada para eventuais ações jurídicas, se for o caso.” A respeito do caso na Bahia, Incra nacional observou que aguarda uma posição da Superintendência Regional no estado.

O que diz a lei

A Lei 5.709/1971, que regula a posse de terras rurais por parte de pessoas físicas ou jurídicas do exterior, aplica-se a empresas com sede fora do Brasil, mas com autorização para funcionar no país, ou a sociedades brasileiras, cuja maior parte do capital social pertença a estrangeiros. A legislação define diferentes limites para essas propriedades. Um desses modelos é o quantitativo.

Assim, os estrangeiros não podem, por exemplo, deter uma área superior a 25% do território de um município. Esse percentual cai para 10% para pessoas físicas ou empresas de uma mesma nacionalidade. Uma regulamentação dessa lei feita nos anos 1990 prevê que aquisições que ultrapassem esses limites sejam submetidas à aprovação do Incra e do Congresso Nacional.

Batalha recente

Um embate em torno desse tema ocorreu durante a disputa entre duas gigantes do agronegócio, a J&F e a Paper Excellence, de origem indonésia, pela Eldorado Celulose. A maior batalha societária ocorrida no país teve início entre 2017 e 2018.

Na ocasião, em uma das frentes da disputa, questionou-se o fato de a Paper Excellence não ter apresentado a aprovação do Incra e do Congresso Nacional para a aquisição de terras no Brasil.  O conflito entre as empresas foi encerrado depois que de as partes terem chegado a um acordo em maio deste ano.

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