Bônus a banco e mansão bloqueada marcam rombo bilionário na Faria Lima

Operações da Polícia Federal (PF), empresários correndo para se desfazer de mansão e apartamentos de luxo, um banco recebendo bônus milionário para vender papéis de empresas que naufragaram e um prejuízo de R$ 1,6 bilhão a investidores. Esse é o roteiro do mais recente rombo que abalou a Faria Lima, centro financeiro do país, em São Paulo.

Dois fundos vendidos a investidores profissionais e mais endinheirados pelo banco Credit Suisse, hoje incorporado ao UBS, derreteram e provocaram um tombo bilionário. O banco recebeu quase R$ 50 milhões de duas empresas de energia eólica pelas quais foi contratado para estruturar os fundos lastreados em suas ações. Em outra ponta, vendeu cotas desses fundos a investidores.

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Bancos Credit Suisse e UBS. Fundos estruturados provocaram prejuízo de R$ 1,6 bilhão

Arnd Wiegmann/Getty Images

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Demonstrações financeiras da 2W Ecobank revelaram a investidores bônus milionários da empresa ao Credit Suisse para estruturar fundo cujas debêntures o próprio banco vendeu

Reprodução/CVM

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Material de divulgação do Fundo Wave tem discreta menção a procedimento da Receita contra antiga empresa de Delneri

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Operação da Polícia Federal mirou supostos desvios na Cemig em aporte na Renova, empresa que tinha Delneri como sócio. Propina foi combinada em avião, segundo delatores

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Ricardo Delneri é sócio da 2W Energia, que entrou em recuperação judicial. Ele teve mansão bloqueada

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Condomínio Fazenda Boa Vista, onde o empresário Ricardo Delneri tem mansão

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As empresas, que viriam a entrar em recuperação judicial e despencar em valor de mercado, tinham como sócio e fundador investigados por desvios, lavagem de dinheiro e envolvimento com doleiros, o que foi omitido pelo banco suíço aos investidores.

Quem acreditou no retorno dos fundos perdeu cifras milionárias.

“É muito revoltante você colocar o dinheiro de seu trabalho em uma institução desse porte e seu dinheiro desaparecer da noite para o dia”, disse ao Metrópoles um cliente do Credit Suisse que pediu anonimato.


Como funcionam os fundos

  • Os fundos de investimentos em questão são o Wave, estruturado para a emissão de debentures da empresa 2W, e o Solar, atrelado aos papéis da Rio Alto Energias Renováveis.
  • Os fundos e as empresas não têm qualquer relação entre si, mas guardam semelhanças essenciais. Ambos foram estruturados em 2021 pelo banco Credit Suisse, e vendidos a investidores da instituição financeira.
  • As duas empresas terminaram em recuperação judicial (e extrajudicial) e seus fundadores eram alvos de investigações da Polícia Federal.
  • Os fundos tinham como finalidade a venda de debêntures das empresas, que são títulos de dívida comercializados no mercado financeiro para capitalizar os projetos de energia eólica.
  • Nesse tipo de fundo, a empresa se capitaliza com os aportes de cotistas e se estabelece o prazo de alguns anos para o retorno dos investimentos.
  • Nessas operações, o banco atuou nas duas pontas. Em uma, ajudou a empresa a estruturar a venda de debêntures, com bônus caso o processo cumprisse metas a favor da empresa. Em outra, vendeu os fundos lastreados nessas companhias a seus clientes.

As empresas e o banco

No caso da 2w, a empresa deu lastro ao fundo Wave, vendido em outubro de 2021. Quatro anos depois, ela entraria em recuperação judicial, com dívidas de R$ 2,4 bilhões.

A Rio Alto é a empresa investida pelo fundo Solar, de abril de 2021. Hoje, deve R$ 1,5 bilhão a fornecedores e também pediu auxílio à Justiça para suspender e renegociar dívidas com credores.

Somente o fundo Wave emitiu R$ 555 milhões em debêntures no mercado. O Solar lançou R$ 400 milhões. O valor corrigido pelos juros das debêntures chega à soma de R$ 1,6 bilhão.

Bônus milionários

Os comissionamentos do Banco Credit Suisse são equivalentes a 5% do valor das debêntures. A Rio Alto pagou R$ 27,5 milhões e a 2W, R$ 20 milhões. A atuação na estruturação das empresas e ao mesmo tempo na venda dos papéis a seus correntistas colocou o banco na mira dos investidores, que planejam ir à Polícia Federal para denunciar crimes financeiros, segundo afirmaram ao Metrópoles.

A questão essencial diz respeito a como um banco pode proteger os interesses de seus investidores quando vende a eles um fundo que lhe paga bônus milionários. No Brasil, há falta de legislação que coíba a prática, que têm dado ensejo a questionamentos sobre o funcionamento do mercado financeiro. Mesmo assim, sobram exigências de que esse negócio fique muito claro a investidores.

O banco já foi notificado duas vezes por advogados dos credores dos dois fundos que apontaram os conflitos de interesses. Em uma dessas notificações, clientes afirmam que o banco não apenas estava ciente da deterioração das empresas como atuou para liberar garantias, aumentando os riscos do projeto, e empurrou o investimento a seus clientes sabendo da condição precária das empresas.

A história do fundo Wave

No dia 13 de fevereiro de 2014, o empresário Ricardo Delneri embarcou em um jatinho junto de executivos da Renova Energia, empresa da qual era sócio, para uma viagem a trabalho. Durante o voo, teria comentado que a empresa teria uma série de “compromissos políticos” com dirigentes da Companhia de Energia de Minas Gerais (Cemig), loteada de aliados do ex-governador mineiro Aécio Neves (PSDB).

Esses compromissos envolveriam o pagamento de R$ 40 milhões aos diretores da estatal mineiro para garantir aportes de R$ 1,8 bilhão na Renova Energia. Ela seria vendida pela Cemig como sua porta de entrada em investimentos sustentáveis. Anos depois, não conseguiu pagar suas dívidas e entrou em recuperação judicial, com dívidas de R$ 3,1 bilhões.

Para viabilizar dinheiro vivo e pagar diretores da Cemig, contratos da Renova com fornecedores foram superfaturados e notas fiscais frias foram emitidas por um escritório de advocacia. Mais tarde, tanto diretores da Renova que estiveram naquele voo quanto os advogados envolvidos viraram delatores da Polícia Federal (PF).

Delneri foi alvo e acabou denunciado na Operação E o Vento Levou, deflagrada no fim de 2019, mesmo ano em que vendeu sua participação na Renova. Responde pela acusação até hoje. Mesmo assim, dois anos depois, o Credit Suisse topou negociar a estruturação da venda de debêntures de sua nova empreitada: a 2W Energia.

No anúncio da distribuição do fundo, em que deveria constar todas as informações relevantes sobre o investimento, havia um pequeno aviso de que Delneri era responsável solidário de um procedimento da Receita Federal de recolhimento de impostos da Renova, mas nenhuma palavra sobre a operação da PF e sobre o fato o naufrágio da empresa, com R$ 3,1 bilhões em dívidas, e em recuperação judicial.

Um fundo que derreteu

A 2W entrou no ano de 2024 sem entregar suas demonstrações financeiras do ano anterior ao fundo de investimentos. Em abril daquele ano, um banco que lhe concedeu um empréstimo moveu uma ação para cobrar uma dívida de R$ 3,3 milhões, após diversas notificações fora dos tribunais para reaver o dinheiro.

Foi naquele mesmo mês que Delneri procurou o Credit Suisse reservadamente para tentar evitar que fosse convocada uma assembleia para antecipar o pagamento das debêntures, movimento que ocorre quando a empresa deixa de cumprir suas obrigações com o fundo de investimentos.

A estratégia não deu certo. Em rodadas de conversas entre o empresário e o banco chegou-se a propor um plano de recuperação extrajudicial. As negociações acabaram quando Delneri impôs a condição de que suas garantias fossem liberadas de cobranças — o banco não aceitou.

Após todas essas conversas, só em julho a gestora do fundo Wave comunicou aos investidores que a empresa havia deixado de cumprir compromissos, como a entrega de suas demonstrações financeiras atualizadas, e que havia indícios de que ela não se recuperaria financeiramente.

Foi nesse período que, mês após mês, cotistas amargaram comunicados de quedas de 20%, 30% e até 97,7% no valor dos papéis. A empresa só viria a pedir recuperação judicial com uma dívida bilionária em maio deste ano. A perda para os investidores até aqui é de R$ 650 milhões. As dívidas com fornecedores da construção dos campos de energia eólica chegam aos R$ 2,2 bilhões.

Blindagem do patrimônio

No dia 29 de abril de 2024, o empresário Ricardo Delneri compareceu a um cartório em São Paulo e transferiu à própria esposa a sua metade da propriedade do apartamento onde morava. Com área de 750 metros quadrados, o imóvel de luxo fica no Condomínio Cidade Jardim, na zona sul da capital. Comprado anos atrás por R$ 17,5 milhões, o apartamento é avaliado hoje em R$ 40 milhões.

Outro apartamento de R$ 1,5 milhão foi transferido ao filho. Em seguida, registrou como se fosse sua residência a mansão de mil metros quadrados, avaliada em R$ 30 milhões, no condomínio Fazenda Boa Vista, em Porto Feliz, conhecido reduto de veraneio de bilionários, no interior paulista. Dessa forma, a mansão se tornaria impenhorável.

Sócios de Delneri também fizeram o mesmo movimento. A manobra foi apontada pela Vortx, empresa que representa os investidores e que pediu o bloqueio de bens dos empresários. Ao mandar penhorar os imóveis, a juíza responsável pela demanda escreveu: “Essa conduta do devedor caracteriza tentativa de blindagem patrimonial, com a finalidade de impedir a penhora de seus imóveis”.

A história do fundo Solar

A história do fundo Solar, também estruturado pelo Credit Suisse, é parecida. A empresa foi aberta por um trio de empresários. Um deles era Sergio Reinas, que foi alvo da Operação Lava Jato do Rio de Janeiro por suspeita de ser braço de doleiros que abasteciam o esquema de corrupção do ex-governador Sergio Cabral (MDB).

No âmbito das investigações, doleiros contaram à PF que Reinas ajudava na lavagem de dinheiro e ganhava comissão sobre cada transação. Houve apontamentos de saques em espécie e outras movimentações suspeitas com uso da Rio Alto Empreendimentos e Participações.

O envolvimento na Lava Jato foi um dos componentes que ajudaram a ruir um outro negócio da empresa, em parceria com um grupo dinamarquês, para construção de parques eólicos na Paraíba. Hoje, virou uma briga que envolve R$ 680 milhões no Judiciário paulista.

Reinas também sofreu condenações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por irregularidades como manipulação de mercado. Somente uma das multas era de R$ 104 milhões. O órgão também viria a fazer um acordo de R$ 600 mil com os sócios que permanecem até hoje na Rio Alto por irregularidades na apresentação de documentos da empresa ao mercado.

Após a briga com a parceira estrangeira e a Lava Jato, os outros dois sócios romperam com Reinas e desfizeram a sociedade. Ele afirma ter sido alijado ilegalmente da Rio Alto. Disse ter sido enganado quando topou sair da empresa quando ainda passava por tratamento psicológico em razão do trauma de ter sido preso e que decisões foram tomadas à sua revelia.

A briga se arrastou até para a recuperação extrajudicial da Rio Alto, que tramita na Justiça de São Paulo. Foi em meio a toda essa briga que o Credit Suisse estruturou o fundo de investimentos lastreado na empresa criada por Reinas. Em prejuízo a investidores, os valores atualizados são de R$ 950 milhões.

Desvalorização

Desde pelo menos setembro de 2023, a Rio Alto apresentava altíssimos índices de endividamento e quase zero caixa. Auditores apontaram nos balanços que havia sérias incertezas sobre a continuidade da empresa. Também foi punida pela CVM por não entregar seus balanços. A sanção envolvia a proibição de venda de títulos no mercado.

“A gente continua honrando nossos contratos e tendo a receita que a gente planejava”, disse o CEO e sócio da Rio Alto, Edmond Farhat, em uma reunião com investidores em agosto de 2024. Três meses depois, os papéis da empresa começaram a despencar.

Entre novembro de 2024 e fevereiro de 2025, o fundo passou a comunicar uma série de perdas de 47% e, depois, de 62% no valor das debêntures. Meses antes da derrocada, conversas entre representantes do banco e investidores, obtidas pelo Metrópoles, mostram que agentes do Credit Suisse ainda apresentavam a empresa como se ela valesse R$ 1 bilhão. Mas os papéis já não valiam mais nada.

Com R$ 1,5 bilhão em dívidas com bancos e fornecedores, a Rio Alto entrou em recuperação extrajudicial em fevereiro. “Em nenhum momento fomos avisados de nada. Só descobri o prejuízo quando vi que o dinheiro não estava mais lá”, disse ao Metrópoles um investidor que pediu para não ser identificado.

O que dizem os citados

A defesa de Ricardo Delneri afirmou que a execução que levou ao bloqueio de um de seus imóveis é “nula porque é lastreada em título inexigível, visto que se venceria somente em Nov/25 e Nov/29, tendo sido o seu vencimento antecipado em violação à ordem judicial anterior que proibia a sua realização, bem como por meio de uma suposta assembleia de debenturistas maculada, dentre outros, com vício de convocação e vício de voto”.

“Por outro lado, não existe movimento de blindagem patrimonial. À época dos fatos, Ricardo detinha mais de 65% das ações de emissão da 2W Ecobank, que estava avaliada em mais de R$ 1,5 bilhão. A emissão das debêntures, por sua vez, foi garantida pelas referidas ações e por outras garantias fiduciárias, que ostentavam valor mais que suficiente para assegurar o cumprimento das obrigações. Além disso, os recursos captados com as debêntures foram integralmente aplicados na implantação dos parques eólicos da 2W Ecobank, que estão em operação e que igualmente assegura o cumprimento das obrigações”, afirma a defesa.

Segundo os advogados de Delneri, “a movimentação patrimonial realizada por Ricardo, antes da ilegal declaração de vencimento antecipado dos títulos, foi absolutamente lícita e regular”. Sobre a denúncia oferecida contra Delneri após a operação da PF, a defesa afirma que “tais fatos datam de 2014, tramitam em segredo de Justiça e até o presente momento Ricardo não foi sequer citado. De toda forma, se e quando for citado, comprovará a sua inocência”.

O banco UBS, que incorporou o Credit Suisse, afirmou que não vai se manifestar. A defesa de Sergio Reinas não foi localizada. O espaço segue aberto para manifestação.

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