A avalanche de toneladas de lixo no Aterro Ouro Verde, em Padre Bernardos, Entorno do Distrito Federal, reacendeu a preocupação com o Lixão da Estrutural. O governo do DF começou o fechamento do aterro em 2018. Mas o local continua recebendo detritos da construção civil e podas de árvores. E a montanha de lixo continua a crescer.
Assista:
O vice-diretor da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Celso dos Reis Gomes, foi um dos diretores do Serviço de Limpeza Urbana (SLU), em 2018. Segundo o especialista, atualmente, não há risco de desabamento no Lixão da Estrutural, mas é preciso concluir o fechamento do aterro e recuperar a área.
“A operação do aterramento de resíduos é feita com critérios geotécnicos. O lixo é compactado. A parte orgânica é degradada por bactérias e vira chorume e gás. Isso cria vazios. Então, é preciso recompactar. Por isso, a compactação com os tratores é o mais importante para evitar que maciços de aterramento escorram”, afirmou.
Segundo o especialista, é como se a montanha do lixão fosse um bolo de marshmallow, que, para não cair, precisa de cuidado constante. “Enquanto houver operação e o monitoramento adequado há baixo risco. Qualquer fissura é percebida e tratada rapidamente. O problema é a perspectiva de parada de operação”, explicou.
A Justiça determinou a paralisação definitiva do lixão e a recuperação do local. “O risco é não garantir a recuperação da área após a parada. Se for abandonada, sem a operação para arrumar as laterais da montanha, evitar fissuras e a drenagem do gás e do chorume, há risco de escorregamento”, alertou.
De acordo com Paulo Celso, se o aterro fosse fechado hoje continuaria gerando gás e chorume pelo menos até 2040. “A gente não tem ainda uma data para a conclusão do encerramento. E não temos um plano de recuperação de área degradada”, completou. Inicialmente, o Lixão deveria ser totalmente desativado em 2019.
O Lixão da Estrutural tem 200 hectares. São 2 milhões de metros quadrados de base da montanha de detritos. Segundo Paulo Celso, o cálculos atuais apontam para aproximadamente 60 metros de altura, no ponto mais alto. “E está subindo”, afirmou.
O maciço tem mais 40 milhões de toneladas de resíduos aterrados nos últimos 65 anos. A cada ano, o local recebe aproximadamente 1 milhão de toneladas da construção civil e podas.
Recuperação
O plano de recuperação tem duas formas de abordagem. Inicialmente, a estratégia é isolar a área por um período entre 30 a 40 anos para que a natureza recuperar a região.
A segunda estratégia é a intervenção com medidas tecnológicas, biológicas, químicas e a retirada da montanha. Neste caso, a recuperação por ser feita entre 15 e 20 anos. O investimento orbita entre R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão.
No caso da recuperação pela natureza, a área pode ser reutilizada como um parque, quadra de esportes, exclusivamente. Se a opção for pela intervenção direta, há possibilidade de uso urbano e imobiliário.
“É decisão política e tem um custo. Para mim, para Brasília, estamos falando uma área 2 milhões de metros quadrados a menos de 14 quilômetros do Palácio do Planalto. Tem um valor imobiliário. Vale a pena recuperar “, argumentou.
Segundo Paulo Celso, o DF tinha sete áreas pré-definidas para receber os detritos da construção civil e das podas. Atualmente, seriam necessários três locais para o aterro de inertes.
“É preciso aumentar a reciclagem da construção civil. Hoje, das 150 mil, 180 mil toneladas recebidas por mês, são recicladas apenas 50 mil toneladas. É um material de fácil reciclagem. É brita ecológica ou cascalho verde”, sugeriu.
“O atraso no fechamento é prejudicial do ponto de vista ambiental. Estamos aumentando um passivo ambiental em vez de estar recuperando. Tem toda população da região, como a comunidade de Santa Luzia. E tem o Parque Nacional ao lado. Imagina expandir a Cidade do Automóvel, a Estrutural. É um prejuízo ambiental, econômico e social”, assinalou.
MPDFT
A decisão judicial para o fechamento definitivo do Lixão da Estrutural é fruto de uma ação do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). Atualmente, promotor de justiça Roberto Carlos Batista e o juiz do meio ambiente aguardam a intimação do Brasília Ambiental (Ibram) para apresentação de relatório sobre o fechamento do lixão.
As medidas de fechamento fazem parte do do Termo de Ajustamento de Conduta nº 6/2024 com o SLU. Em resumo, o MPDFT e o juiz querem saber as:
- Etapas já executadas;
- Pendências identificadas;
- Dificuldades técnicas enfrentadas para a remediação ambiental da área do lixão.
Escorpiões, mosquitos e caminhões
No pé da montanha do Lixão da Estrutural, moradores de Santa Luzia e da Estrutural não têm receio de um desabamento com as proporções do desastre ambiental registrado em Padre Bernardo (GO). No entanto, a comunidade é favorável ao fechamento definitivo do aterro do DF.
Mãe de duas filhas, a merendeira Erika Regina Sousa Ribeiro, 38 anos, fica preocupada com os animais peçonhentos vindos da montanha de lixo. “Vemos escorpiões, mosquitos e até cobra. Tem o mal cheiro e faz muita poeira. As crianças adoecem muito. Não fechar o Lixão é um descuidado e um desrespeito”, alegou.
Segundo a dona de casa Rosemere da Cunha Leite, 53, o tráfego intenso de um grande número de caminhões é perigoso para os pedestres, principalmente crianças. “Os caminhões passam toda hora. Muitos não prestam atenção em quem está na rua. Alguns quase passam por cima das crianças. E ainda levantam muita poeira”, reclamou.
Fechamento total até 2028
O Metrópoles entrou em contato com o SLU, Ibram, Secretaria do Meio Ambiente (Sema) e o Palácio do Buriti. Oficialmente, o governo local chama o antigo Lixão da Estrutural de Unidade de Recebimento de Entulhos (URE).
Segundo o SLU, a URE deixará de receber resíduos da construção civil assim que a nova unidade, prevista para operar em 2028, ficar pronta. De acordo com o SLU, já existe um plano de recuperação da área. O processo segue as etapas do Gerenciamento de Áreas Contaminadas (GAC) e o estudo é coordenado pela Sema-DF, com apoio técnico da UnB, via Finatec.
“O processo licitatório para contratação da empresa que concluirá o GAC está previsto para os próximos meses”, prometeu o órgão.
Pelos cálculos do SLU, o maciço do antigo lixão tem altura média de 35 metros. Atualmente recebe mais de 100 mil toneladas por mês de resíduos da construção civil, que, segundo eles, é um material inerte, sem produção de chorume.
“Não há risco de desabamento, pois o seu fator de segurança é acima do exigido por normas técnicas. A situação é distinta do caso de Padre Bernardo, por se tratar de uma estrutura tecnicamente monitorada e controlada”, garantiu o SLU.
“Não há mais lixão”
A Sema argumentou que não há mais lixão no DF. ” O antigo Lixão da Estrutural, que por décadas foi o principal destino dos resíduos sólidos da capital, teve suas atividades encerradas oficialmente em janeiro de 2018″, disse.
Segundo a pasta, em 2021, foi produzido o estudo “Diagnóstico da Contaminação e Proposta de Remediação do Antigo Lixão da Estrutural”.
A partir da pesquisa, foram propostas soluções de remediação, com a indicação das alternativas mais viáveis para implementação. O estudo completo está disponível no site da Secretaria.
Os demais órgãos procurados não responderam até a última atualização da reportagem. O espaço segue aberto para possíveis manifestações.
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