Depois de detectar uma série de fraudes na importação e comercialização de combustíveis, petróleo e derivados, reveladas pela Operação Cadeia de Carbono, deflagrada na semana passada, a Receita Federal anunciou mudanças em algumas regras do setor para aumentar a fiscalização.
A medida foi tomada quase um mês depois de outra operação, a Carbono Oculto, ter mostrado a infiltração do Primeiro Comando da Capital (PCC) no setor de combustíveis e no mercado financeiro.
De acordo com a Receita, as novas regras têm o objetivo de prevenir e combater fraudes, principalmente em compras que escondem os nomes dos reais vendedores, compradores ou responsáveis por determinadas operações.
O órgão informou que foi publicada nesta quarta-feira (24/9) uma portaria que estabelece iniciativas para reforçar a atuação do Fisco no combate ao crime organizado e a desvios envolvendo a importação de combustíveis.
O que diz a Receita
Entre as novas regras anunciadas pela Receita, estão o tratamento prioritário para o combate a crimes tributários e aduaneiros e uma maior articulação entre a Receita e os órgãos de segurança pública.
Segundo a Receita, as novas regras têm “papel fundamental no combate a fraudes que envolvem a ocultação do real vendedor e do comprador ou responsável pela operação, fortalecendo a fiscalização e a segurança aduaneira (interposição fraudulenta)”.
“O novo regramento tem como objetivo aprimorar a identificação de irregularidades, promover ações coordenadas com outros órgãos públicos e garantir maior controle sobre produtos sensíveis à economia e à segurança nacional”, diz o órgão.
Veja o que muda
As principais mudanças anunciadas pela Receita Federal são:
- Tratamento prioritário para crimes tributários e aduaneiros e uma articulação maior e mais eficiente entre a Receita e órgãos de segurança pública.
- Ações para a coleta de provas, com apoio policial sempre que necessário, para garantir a integridade dos agentes e a efetividade das operações.
- Regras mais restritivas para o despacho aduaneiro antecipado de petróleo, etanol e combustíveis, passando a ser exigida uma anuência formal da Receita.
- Endurecimento dos requisitos de habilitação dos importadores de combustíveis e derivados de petróleo.
“Nesses casos de despacho antecipado de combustíveis, será necessária também a anuência do Fisco estadual do local do estabelecimento importador e do Fisco do local da descarga do combustível, reduzindo os riscos de fraude contra a administração local”, informou a Receita Federal.
Ainda de acordo com o órgão, nenhuma das novas medidas atingirá empresas de “alta conformidade” com o Fisco, que seguirão tendo de cumprir procedimento mais “simplificado e ágil”.
Operação Cadeia de Carbono
Na semana passada, a Receita Federal deflagrou a Operação Cadeia de Carbono, que investigou uma série de ilegalidades na importação de combustíveis. A operação desarticulou organizações criminosas que ocultavam os reais importadores do produto e a origem dos recursos financeiros. Segundo a Receita, o objetivo dos criminosos era lavar dinheiro e sonegar impostos.
Operação Carbono Oculto
Na mira dos investigadores da Operação Carbono Oculto, estão vários segmentos da cadeia de combustíveis que eram controlados pelo crime organizado, entre os quais a importação, a produção, a distribuição e a venda para o consumidor final.
Para isso, os grupos criminosos tentavam “blindar” ou ocultar o patrimônio – e faziam isso por meio de fintechs e fundos de investimentos, o que acaba ligando as fraudes reveladas pela operação à Faria Lima, centro financeiro da maior cidade do país.
Segundo a Receita Federal, as investigações apontaram que “o sofisticado esquema engendrado pela organização criminosa, ao mesmo tempo que lavava o dinheiro proveniente do crime, obtinha elevados lucros na cadeia produtiva de combustíveis”.
“O uso de centenas de empresas operacionais na fraude permitia dissimular os recursos de origem criminosa. A sonegação fiscal e a adulteração de produtos aumentavam os lucros e prejudicavam os consumidores e a sociedade”, afirma a Receita.
Os suspeitos de envolvimento no esquema usavam importadoras que atuavam como “interpostas pessoas, adquirindo no exterior nafta, hidrocarbonetos e diesel com recursos de formuladoras e distribuidoras vinculadas à organização criminosa”.
Um dos pontos cruciais da organização criminosa, de acordo com as investigações, era a blindagem do patrimônio dos envolvidos. “Os valores eram inseridos no sistema financeiro por meio de fintechs, empresas que utilizam tecnologia para oferecer serviços financeiros digitais. A Receita Federal identificou que uma fintech de pagamento atuava como ‘banco paralelo’ da organização criminosa, tendo movimentado mais de R$ 46 bilhões de 2020 a 2024”, afirma a Receita.
Os criminosos controlavam várias instituições de pagamento menores, criando, assim, uma espécie de camada dupla de ocultação do patrimônio. “A fintech também recebia diretamente valores em espécie. Entre 2022 e 2023, foram efetuados mais de 10,9 mil depósitos em espécie, totalizando mais de R$ 61 milhões. Este é um procedimento completamente estranho à natureza de uma instituição de pagamento, que opera apenas dinheiro escritural”, afirmam os investigadores.
Ainda segundo a Receita, a “utilização de fintechs pelo crime organizado objetiva aproveitar brechas na regulação desse tipo de instituição”. “Essas brechas impedem o rastreamento do fluxo dos recursos e a identificação, pelos órgãos de controle e de fiscalização, dos valores movimentados por cada um dos clientes da fintech de forma isolada.”
De acordo com a Receita Federal, já foram identificados pelo menos 40 fundos de investimentos, com patrimônio de R$ 30 bilhões, ligados ao PCC. Eles eram, em sua maioria, fundos fechados com um único cotista – em geral, outro fundo de investimento, o que aumentava as camadas de ocultação do patrimônio.
Entre os bens adquiridos por esses fundos, estão um terminal portuário, quatro usinas produtoras de álcool, 1.600 caminhões para transporte de combustíveis e mais de 100 imóveis.
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