Banco Central dos EUA resiste a Trump e não mexe na taxa de juros

Na quarta reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) do Federal Reserve (Fed, o Banco Central norte-americano) desde a posse do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, as expectativas do mercado foram confirmadas e a taxa básica de juros se manteve mais uma vez inalterada.

O que aconteceu

  • Nesta quarta-feira (18/6), o colegiado anunciou a manutenção dos juros básicos no intervalo de 4,25% a 4,5% ao ano.
  • Trata-se da quarta reunião consecutiva na qual a autoridade monetária norte-americana mantém inalterada a taxa de juros.
  • Antes das quatro últimas reuniões, o Fed tinha levado a cabo um ciclo de três quedas consecutivas dos juros nos EUA, que começou em setembro do ano passado – o primeiro corte em cinco anos.
  • Desde então, o BC norte-americano sempre deixou claro que era necessário manter a cautela e analisar cuidadosamente os indicadores econômicos para tomar suas decisões de política monetária.
  • Na última reunião do ano passado, o BC dos EUA decidiu cortar os juros em 0,25 ponto percentual. Com isso, os juros fecharam 2024 em um intervalo entre 4,25% e 4,5% ao ano (antes era de 4,5% a 4,75% ao ano).
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O que diz o Fed

Junto à decisão, o Fed divulgou o chamado “dot plot”, um conjunto das projeções para a economia dos EUA.

Na média, a autoridade monetária manteve a projeção de queda de 0,5 ponto percentual na taxa de juros em 2025, o que pode significar dois cortes de 0,25 ponto percentual ainda neste ano. Segundo analistas, o ciclo de queda deve começar no último trimestre.

Os integrantes do Fed também reduziram suas projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA em 2025, de alta de 1,7% para 1,4%.

“Ao considerar a extensão e o momento de ajustes adicionais à meta para a taxa básica de juros, o comitê avaliará cuidadosamente os dados recebidos, a evolução das perspectivas e o equilíbrio de riscos. O comitê continuará reduzindo suas posições em títulos do Tesouro, títulos de dívida de agências e títulos lastreados em hipotecas de agências. O comitê está fortemente comprometido em apoiar o emprego máximo e retornar a inflação à sua meta de 2%”, diz o Fed no comunicado que acompanha a decisão.

“Ao avaliar a postura adequada da política monetária, o comitê continuará monitorando as implicações das informações recebidas para as perspectivas econômicas. O comitê estará preparado para ajustar a postura da política monetária conforme apropriado, caso surjam riscos que possam impedir o alcance das metas do comitê”, prossegue o comunicado.

“As avaliações do comitê levarão em consideração uma ampla gama de informações, incluindo leituras sobre as condições do mercado de trabalho, pressões inflacionárias e expectativas de inflação, além de desenvolvimentos financeiros e internacionais.”

No comunicado, o Fed diz ainda que, “embora as oscilações nas exportações líquidas tenham afetado os dados, indicadores recentes sugerem que a atividade econômica continuou a se expandir a um ritmo sólido”.

“A taxa de desemprego permanece baixa e as condições do mercado de trabalho permanecem sólidas. A inflação permanece relativamente elevada”, diz a autoridade monetária.

“O comitê busca atingir o máximo de emprego e inflação a uma taxa de 2% no longo prazo. A incerteza quanto às perspectivas econômicas diminuiu, mas permanece elevada. O comitê está atento aos riscos para ambos os lados de seu duplo mandato”, conclui o Fed.

Inflação

A taxa básica de juros é o principal instrumento dos bancos centrais para controlar a inflação. Quando a autoridade monetária mantém os juros elevados, o objetivo é conter a demanda aquecida, o que se reflete nos preços, porque os juros mais altos encarecem o crédito e estimulam a poupança. Assim, taxas mais altas também podem conter a atividade econômica.

Segundo o Departamento do Trabalho, o Índice de Preços ao Consumidor nos EUA (CPI, na sigla em inglês), que mede a inflação oficial no país, ficou em 2,4% em maio, na base anual, uma leve alta em relação aos 2,3% registrados em abril.

Na comparação mensal, o índice foi de 0,1%, ante 0,2% em abril.

A meta de inflação nos EUA é de 2% ao ano. Embora não esteja nesse patamar, o índice vem se mantendo abaixo de 3% desde julho de 2024.

Juros ainda não caíram sob Trump

Antes mesmo de tomar posse para seu segundo mandato na Casa Branca, Donald Trump já fazia críticas às decisões do Fed sobre a taxa de juros e defendia que os cortes fossem intensificados – o que ainda não ocorreu em seu atual mandato.

Já empossado presidente, em discurso durante o Fórum Econômico Mundial de Davos (Suíça), Trump disse que trabalharia para que os juros nos EUA caíssem “imediatamente”.

“Com os preços do petróleo caindo, exigirei que as taxas de juros caiam imediatamente e, da mesma forma, elas deveriam cair em todo o mundo”, afirmou o presidente norte-americano.

A ascensão de Trump novamente ao poder na maior potência econômica do mundo trouxe mais incerteza ao cenário avaliado pelo Fed. Muitas políticas propostas pelo republicano, como a aplicação de tarifas comerciais a outros países e a deportação de imigrantes, têm o potencial de pressionar a inflação no país.

Em novembro, após a confirmação da vitória de Trump sobre Joe Biden nas eleições, o Fed justificou a diminuição no ritmo de corte de juros afirmando que “as perspectivas econômicas são incertas e o comitê está atento aos riscos”. Na ocasião, o nome de Trump não foi mencionado.

Guerra entre Trump e Powell

Em meados de abril, Donald Trump voltou a subir o tom contra o chefe da autoridade monetária e cobrou a redução da taxa de juros no país.

“Os preços do petróleo caíram, os alimentos estão mais baratos e os EUA estão enriquecendo com as tarifas. O ‘atrasado’ já deveria ter reduzido as taxas de juros, como o BCE [Banco Central Europeu] fez há tempos, mas com certeza deveria reduzi-las agora. A demissão de Powell não pode vir rápido o suficiente”, afirmou Trump.

Mais tarde, após receber a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, para um almoço, Trump reafirmou as críticas a Powell e indicou o desejo de afastá-lo do cargo: “Se eu pedir, ele vai embora”, afirmou.

Poucos dias depois, diante do mal-estar no mercado e da queda das bolsas nos EUA e na Europa, Trump recuou, amenizou o tom e praticamente afastou a hipótese de demitir Powell. “Nunca tive essa intenção. A imprensa exagera as coisas”, disse a repórteres.

“Não, não tenho intenção de demiti-lo. Gostaria de vê-lo ser um pouco mais ativo em relação à sua ideia de reduzir as taxas de juros”, prosseguiu o presidente dos EUA. “Acreditamos que este é o momento perfeito para reduzir a taxa, e gostaríamos de ver nosso presidente [do Fed] agir com antecedência ou pontualmente, em vez de com atraso.”

No início deste mês de junho, Trump voltou a cobrar a queda dos juros e criticou Powell. Em declarações dadas durante um evento na Casa Branca, Trump negou que tenha a intenção de demitir o atual presidente do Fed, mas criticou novamente o chefe da autoridade monetária e insinuou que pressionaria pelo corte dos juros.

“As notícias falsas estão dizendo: ‘Ah, se você o demitisse, seria tão ruim, seria tão ruim…’ Eu não sei por que seria tão ruim, mas eu não vou demiti-lo”, afirmou Trump. “Nós o chamamos de ‘Sr. Tarde Demais’, certo?”, ironizou Trump, referindo-se a Powell.

“Digamos que haja inflação. Daqui a um ano, aumentem os juros. Eu não me importo, aumentem. Eu sou a favor. Eu serei o primeiro a ligar para você [Powell]. Ele vai estar atrasado para isso também”, completou.

Donald Trump prosseguiu: “Não é preciso mantê-los altos [os juros]. Talvez eu tenha que forçar algo”.

Na semana anterior, o presidente dos EUA havia recebido o chefe do Fed para uma reunião na Casa Branca, em uma iniciativa interpretada como uma tentativa de pacificar a relação entre os dois.

Mais cedo, nesta quarta-feira, Donald Trump se antecipou e lamentou previamente a decisão do Fed de manter inalterados os juros da economia norte-americana, apesar das pressões do governo pela queda das taxas.

“Powell é atrasado demais”, afirmou Trump, repetindo o bordão que vem marcando suas críticas ao presidente do Fed.

Brincando com os jornalistas, Trump disse ainda que está pensando em nomear si próprio para a presidência do Banco Central dos EUA.

“Eu tento de todo jeito. Sou desagradável. Sou simpático. Nada funciona. Ele é simplesmente uma pessoa estúpida. Talvez eu devesse ir para o Fed. Eu posso me nomear?”, questionou.

“[Jerome] Powell provavelmente não vai cortar [os juros] hoje. Ele tem feito um trabalho ruim. Ele deve me odiar porque peço para que ele corte os juros, mas ele é atrasado. Seria bom estar 2,5 pontos porcentuais abaixo [da taxa atual]”, concluiu Trump.

Powell não será demitido

A diretoria do Federal Reserve é composta por sete integrantes que cumprem mandatos de 4 a 14 anos – todos são indicados pela Presidência dos EUA. A indicação para o cargo de presidente do Fed é definida pela Casa Branca e confirmada por uma votação no Senado norte-americano a cada 4 anos.

Em 2022, Jerome Powell foi indicado pelo então presidente dos EUA, Joe Biden, para um segundo mandato à frente do Fed – que termina em maio de 2026. O entendimento majoritário nos EUA é o de que o presidente do Fed não pode ser removido do cargo sem que haja uma “justa causa”. Há, no entanto, um caso pendente de decisão pela Suprema Corte do país que remete a um precedente estabelecido há 90 anos, em 1935.

Análise

Para André Valério, economista sênior do Banco Inter, “o comunicado veio com pouquíssimas mudanças frente ao último, com o Fed reconhecendo que a economia americana permanece crescendo de maneira sólida, a despeito da queda do PIB no 1º trimestre, motivado por um movimento atípico nas importações, enquanto o mercado de trabalho permanece saudável e a inflação ainda acima da meta”.

“Além disso, a reunião de hoje foi acompanhada pela divulgação das projeções dos membros do comitê, e eles mantêm a expectativa de mais dois cortes neste ano. Por outro lado, reduziram as projeções para o crescimento do PIB e aumentaram as projeções para taxa de desemprego e inflação. Isso sugere que o Fed vê o impacto das tarifas como negativo para a economia como um todo, desacelerando o crescimento ao passo em que gerará algum repasse inflacionário. Entretanto, tal impacto ainda está por vir, com os dados mais recentes da economia americana não apontando impacto relevante das tarifas”, explica Valério.

Segundo o economista, “devemos ver o Fed mantendo a postura cautelosa nas próximas reuniões, à espera de novos dados para ganhar confiança sobre qual a trajetória que a economia americana está caminhando”.

“Por um lado, nota-se a demanda perdendo força, ao mesmo tempo em que a oferta também tem perdido dinamismo, ou seja, há grande incerteza sobre qual é a inflação subjacente da economia americana após anos de inflação acima da meta. Assim, mantemos a visão que o Fed só deve atuar quando houver sinais claros de que o mercado de trabalho está em recessão”, observa Valério.

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