A recente demissão de cerca de mil funcionários promovida pelo Itaú Unibanco teve – no mínimo – duas consequências inesperadas. A primeira foi reacender a discussão sobre a perenidade do home office, condição na qual estavam as pessoas desligadas pelo banco. A outra foi o susto que a medida provocou ao trazer à tona as ferramentas tecnológicas utilizadas por empresas para monitorar o trabalho remoto.
Ocorre que controlar a atividade dos funcionários por meio de tecnologias é algo corriqueiro e, não raro, não se restringe ao home office. Há no mercado um punhado de softwares que realizam esse trabalho, com diversas empresas com atuação global.
E o que esses sistemas? A lista de bisbilhotices é longa e varia de acordo com o uso das empresas que, em geral, seguem políticas específicas para a análise desse tipo de dados. Mas, em termos potenciais, essas tecnologias podem avaliar:
- O tempo que os funcionários ficam conectados ao servidor da empresa
- Acompanham a digitação nos teclados (em alguns casos, medem o número de toques por minuto)
- Rastreiam movimentos atípicos de mouse
- Identificam quais aplicativos estão sendo baixados ou utilizados (as companhias, em geral, têm políticas de restrição ao uso de apps)
- Registram a localização do computador ou celular (geolocalização)
- Podem capturar telas, áudios ou vídeos em tempo real
- Reconhecem quando as pessoas entram em chamadas de vídeo
- Conferem o envio e recebimento de mensagens
E isso pode? Em tese, pode, mas há pré-requisitos para tanto. De acordo com a advogada Marília Minicucci, algumas dessas restrições são definidas, por exemplo, pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Ela estabelece que os trabalhadores têm de ser avisados sobre quais dados serão captados e qual a finalidade da coleta.
“As empresas não precisam da anuência para fazer o monitoramento, mas devem dar ciência aos funcionários de que ele está sendo feito”, diz Marília. Ela, contudo, observa que, como o assunto é recente e não conta com uma “jurisprudência sedimentada”, alguns aspectos da análise dão margem a consideráveis divergências.
Câmeras polêmicas
Isso ocorre, principalmente, em relação ao registro da atividade dos trabalhadores por meio de câmeras. “Nesses casos, discute-se se está havendo violação da residência da pessoa, porque a privacidade do domicílio é protegida pela Constituição”, afirma a advogada. “O que se recomenda é que o fundo da cena seja sempre borrado. O monitoramento não pode ser um big brother na casa do empregado.”
Marília nota que esse tipo de pendência não é incomum nos tribunais. “Em uma decisão recente, a Justiça aceitou o uso da câmera porque a empresa mostrou que, como lidava com dados sensíveis de um cliente, precisava saber quem estava à frente do computador”, diz. “Mas houve o cuidado de usar um sistema de captura de imagem que borrava o fundo.”
Privado ou profissional
Outra fonte de discórdia é o uso misto, pessoal e corporativo, de um computador ou celular da companhia. “Nesses casos, o melhor que a empresa tem a fazer é não liberar a utilização do equipamento para fins pessoais”, diz Marília. “É preciso distinguir o que é ferramenta de trabalho para cair numa zona cinzenta entre a vida privada e a profissional.”
No caso do Itaú, disse o banco, foram feitas análises do desempenho dos funcionários ao longo de quatro meses. A instituição financeira afirmou ainda que “identificou uma minoria de colaboradores em jornadas de trabalho remoto com baixos níveis de atividade digital, sendo esse um padrão de comportamento e não situações pontuais”.
“20% de atividade”
O banco relatou que, em alguns desses casos, os mais críticos, chegaram a patamares de 20% de atividade digital no dia – de forma sistemática, ao longo de quatro meses – e ainda assim registraram horas extras naqueles mesmos dias, sem que houvesse causa que justificasse. “Um exemplo real é de uma área com 316 analistas, de cargos equiparáveis e com média de atividade digital de 72%, enquanto colaboradores desligados apresentavam entre 27 e 37% de atividade digital em quatro meses, além do uso de horas extras”, disse em nota.
Quanto aos recursos utilizados no monitoramento, segundo o banco, ele “não considera exclusivamente o uso de mouse ou teclado como métricas de aderência digital”. O sistema, acrescentou a instituição financeira, “respeita as diretrizes previstas na LGPD ao não realizar captura de telas, áudios ou vídeos”.
Sindicato aciona Justiça
O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região acionou a Justiça contra o Itaú Unibanco, após as demissões em massa feitas pela instituição bancária na última segunda-feira (8/9).
De acordo com a entidade, em plenária realizada na quinta-feira (11), os “trabalhadores demitidos expressaram forte indignação diante das justificativas vagas e sem transparência apresentadas pelo banco”. “Entre cerca de 380 demitidos (o total foi de cerca de mil), pelo menos 85 haviam recebido recentemente bonificação por bom desempenho e ao menos 5 eram trabalhadores neurodivergentes — alguns em tratamento”, disse o sindicato em nota. “Todos reafirmaram que não sabiam as formas de avaliação e mecanismos de monitoramento.”
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