A Operação Carbono Oculto, deflagrada na semana passada por uma força-tarefa para desarticular um esquema bilionário de fraudes e lavagem de dinheiro no setor de combustíveis que envolve integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), fintechs e fundos de investimentos da Faria Lima, trouxe à baila o nome de um empresário considerado arrojado no mercado financeiro, capaz de ter levado a Reag Investimentos, empresa da qual é fundador, a um crescimento exponencial em poucos anos.
Trata-se de João Carlos Mansur (foto em destaque), que fundou a companhia em 2012 e a transformou na oitava maior gestora de fundos do país, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Quem é João Carlos Mansur
Com mais de 35 anos de carreira, Mansur é formado em Ciências Contábeis pela Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo (Facesp). No início de sua trajetória profissional, ele atuou nas áreas de auditoria e controladoria e, em seguida, fez a migração para o mercado financeiro. Antes de fundar a Reag, trabalhou na estruturação de mais de 200 fundos de investimento (Imobiliários FII, de Participações FIP e de Direitos Creditórios FIDC), de acordo com informações de sua conta no LinkedIn.
Além do mercado financeiro, o empresário está envolvido em negócios com clubes de futebol do Brasil e já teve passagens por empresas como Monsanto, PwC e WTorre. Ele também participou de projetos em uma companhia que leva o nome do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – a Trump Realty Brasil.
Negócio com Trump
A Trump Realty Brazil foi uma joint venture fundada em 2003 com o objetivo de levar a marca Trump para o mercado imobiliário de luxo no país. “Joint venture” é um modelo de colaboração empresarial que consiste na união de duas ou mais empresas com o objetivo de executar um projeto.
A companhia foi formada a partir de uma parceria entre a Trump Organization, de Trump, e o empresário brasileiro Ricardo Bellino, que foi o CEO da operação no Brasil. A empresa foi montada com o intuito de desenvolver empreendimentos de alto luxo, como edifícios residenciais, comerciais e hoteleiros, com a marca Trump.
Vários projetos da Trump Realty Brazil não foram concluídos e outros nem sequer saíram do papel. O vínculo com Trump só durou três anos, até 2006. Mansur menciona a passagem pela empresa como parte de sua trajetória profissional.
Clubes de futebol
João Carlos Mansur também é ligado ao universo do futebol. Em 2023, ele foi o mais votado para o Conselho de Orientação e Fiscalização (COF) do Palmeiras, um dos maiores times do Brasil. Cabe ao órgão independente fiscalizar as contas do clube, hoje administrado por Leila Pereira, presidente da Crefisa – de quem Mansur é considerado um aliado próximo.
Antes disso, o fundador da Reag já havia participado ativamente do processo de estruturação do projeto do Allianz Parque, estádio do time, quando trabalhava na WTorre – empresa responsável pela construção e administração da arena.
Ainda no âmbito futebolístico, a Reag, de Mansur, participou da administração da Arena do Grêmio e é responsável pela Arena Fundo FII, responsável pela contabilidade da Neo Química Arena, estádio do Corinthians.
A gestora também faz a gestão e investimentos na Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Juventus, tradicional time de futebol do bairro da Mooca, em São Paulo. A SAF foi aprovada pelo clube em julho deste ano. Instituído no Brasil em 2021, por meio da Lei nº 14.193, a SAF é um instrumento que permite aos clubes de futebol do Brasil se transformarem em empresas.
Outro clube tradicional do futebol paulista, a Portuguesa de Desportos, também tem ligação com a Reag de Mansur. Um dos braços da companhia, a Reeve, faz investimentos no projeto do Novo Canindé – que prevê a reforma e a ampliação do estádio da equipe a partir de 2026. Por contrato, a Reeve deve gerir o estádio por 50 anos.
O que diz a Reag
A assessoria do empresário informou à imprensa que ele só se manifestaria sobre as investigações da Receita e da Polícia Federal por meio de uma nota da própria Reag. De acordo com a companhia, não há qualquer envolvimento da Reag em atividades ilegais, e diversos fundos citados na operação nunca estiveram sob sua administração. A empresa diz ainda que mantém controles internos rigorosos para a prevenção e o combate à lavagem de dinheiro.
“Quanto aos fundos de investimento apurados em que a empresa atuou como prestadora de serviço, informa que agiu de forma regular e diligente. Cumpre registrar que tais fundos foram, há meses, objeto de renúncia ou liquidação. Reforça, ainda, que não possui nem nunca possuiu qualquer envolvimento com as atividades econômicas ou empresariais conduzidas por esses clientes”, afirmou a Reag, em nota.
A Reag é uma das maiores gestoras independentes do país, ou seja, sem ligação com bancos. Em seu site, a empresa informa que tem R$ 299 bilhões sob gestão. Ela está ligada à Reag Capital Holding S/A e também controla a Ciabrasf, além de seguradoras e financeiras.
A gestora também é conhecida por patrocinar o Belas Artes, um dos cinemas mais tradicionais de São Paulo. Desde janeiro de 2024, o espaço passou a ser chamado de Reag Belas Artes. A gestora estreou na B3 em janeiro de 2025, ao adquirir a GetNinjas, uma empresa que já estava na Bolsa, listada no segmento do Novo Mercado, que exige práticas de governança corporativa mais rigorosas.
Na semana passada, por meio de um comunicado ao mercado, a Reag confirmou que foram “cumpridos mandados de busca e apreensão em suas respectivas sedes no âmbito da Operação Carbono Oculto”.
“Trata-se de procedimento investigativo em curso. As companhias esclarecem que estão colaborando integralmente com as autoridades competentes, fornecendo as informações e documentos solicitados, e permanecerão à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais que se fizerem necessários”, disse a Reag.
“As companhias manterão seus acionistas e o mercado informados sobre o desenvolvimento dos assuntos objeto deste fato relevante”, completou a empresa.
Venda de controle está em pauta
A Reag Capital Holding informou nesta segunda-feira (1º/9) que está em negociações para a venda do controle da Reag Investimentos.
Segundo o comunicado ao mercado, a holding “encontra-se em tratativas visando à potencial alienação do bloco de controle da Reag Investimentos com potenciais interessados independentes”. Até o momento, os nomes dos possíveis compradores da Reag não foram divulgados.
No comunicado, a Reag afirma ainda que as tratativas “compreendem a troca de informações sujeitas a acordos de confidencialidade e discussões preliminares sobre termos e condições econômicas e contratuais da possível transação”.
“Neste momento, não há garantia de que as negociações resultarão na celebração de documento vinculante ou na consumação de qualquer transação, nem definição de preço, estrutura final ou cronograma”, diz a empresa.
Operação envolve PCC e Faria Lima
Na mira dos investigadores, estão vários segmentos da cadeia de combustíveis que eram controlados pelo crime organizado, entre os quais a importação, a produção, a distribuição e a venda para o consumidor final.
Para isso, os grupos criminosos tentavam “blindar” ou ocultar o patrimônio – e faziam isso por meio de fintechs e fundos de investimentos, o que acaba ligando as fraudes reveladas pela operação à Faria Lima, centro financeiro da maior cidade do país.
Segundo a Receita Federal, as investigações apontaram que “o sofisticado esquema engendrado pela organização criminosa, ao mesmo tempo que lavava o dinheiro proveniente do crime, obtinha elevados lucros na cadeia produtiva de combustíveis”.
“O uso de centenas de empresas operacionais na fraude permitia dissimular os recursos de origem criminosa. A sonegação fiscal e a adulteração de produtos aumentavam os lucros e prejudicavam os consumidores e a sociedade”, afirma a Receita.
Os suspeitos de envolvimento no esquema usavam importadoras que atuavam como “interpostas pessoas, adquirindo no exterior nafta, hidrocarbonetos e diesel com recursos de formuladoras e distribuidoras vinculadas à organização criminosa”.
Um dos pontos cruciais da organização criminosa, de acordo com as investigações, era a blindagem do patrimônio dos envolvidos. “Os valores eram inseridos no sistema financeiro por meio de fintechs, empresas que utilizam tecnologia para oferecer serviços financeiros digitais. A Receita Federal identificou que uma fintech de pagamento atuava como ‘banco paralelo’ da organização criminosa, tendo movimentado mais de R$ 46 bilhões de 2020 a 2024”, afirma a Receita.
Os criminosos controlavam várias instituições de pagamento menores, criando, assim, uma espécie de camada dupla de ocultação do patrimônio. “A fintech também recebia diretamente valores em espécie. Entre 2022 e 2023, foram efetuados mais de 10,9 mil depósitos em espécie, totalizando mais de R$ 61 milhões. Este é um procedimento completamente estranho à natureza de uma instituição de pagamento, que opera apenas dinheiro escritural”, afirmam os investigadores.
Ainda segundo a Receita, a “utilização de fintechs pelo crime organizado objetiva aproveitar brechas na regulação desse tipo de instituição”. “Essas brechas impedem o rastreamento do fluxo dos recursos e a identificação, pelos órgãos de controle e de fiscalização, dos valores movimentados por cada um dos clientes da fintech de forma isolada.”
De acordo com a Receita Federal, já foram identificados pelo menos 40 fundos de investimentos, com patrimônio de R$ 30 bilhões, ligados ao PCC. Eles eram, em sua maioria, fundos fechados com um único cotista – em geral, outro fundo de investimento, o que aumentava as camadas de ocultação do patrimônio.
Entre os bens adquiridos por esses fundos, estão um terminal portuário, quatro usinas produtoras de álcool, 1.600 caminhões para transporte de combustíveis e mais de 100 imóveis.
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